6.2.10

Brincar com a fé

Devo dizer que por momentos fiquei seriamente na dúvida de colocar aqui ou não este tópico. Mexer com a religião ou com as crenças de qualquer pessoa tem sempre muito que se lhe diga. Sendo uma linha tão fina, e facilmente transgredivel mesmo que às vezes sem verdadeiras intenções de o fazer, acho importante destacar desde cedo que o objectivo deste post não é o de ofender ninguém e que lamento se alguém sentir-se incomodado perante o assunto.

Ora bem, há coisa de poucos dias deparei-me com este mini-jogo denominado por Faith Fighter. Com um misto de incredulidade e algum riso, experimentei o jogo para encontrar uma versão semelhante ao velho Mortal Kombat, num confronto entre as figuras icónicas de cada uma das religiões com mais seguidores no mundo. Cada personagem do jogo tem acesso a um conjunto de habilidades únicas, quase todas elas alusivas a conceitos ou dogmas associados à religião em causa (veja-se a imagem abaixo, onde um Jesus atira um projéctil kamehameha em forma de pomba do espírito santo a um Buddha que lança uma roda kármica).


Contudo, após o tempo de jogo, surge-me uma forte questão: até que ponto um jogo deste género, que mexe com fortes conteúdos religiosos, é verdadeiramente inofensivo ou ofensivo de modo a permitir, suponhamos, a sua comercialização? 
Por um lado, lendo o aviso à entrada do jogo, reconheço os objectivos dos seus criadores: mostrar aos jogadores como as religiões e as representações sagradas são frequentemente utilizadas por motivos para inflamar e justificar o conflito entre as diferentes nações ou pessoas. É uma crítica social, utilizando talvez mecanismos pouco habituais mas que tem o seu interessante ponto de vista.

Depois existe o aspecto das figuras que aparecem no jogo. Falando pelo menos na imagem de Jesus Cristo, não foi a primeira e não será certamente a ultima vez que a sua figura é utilizada em diferentes manisfestações artísticas e culturais, seja ela no cinema, literatura, pintura, teatro,etc... Sabendo que os resultados destas manifestações têm sido mais ou menos polémicas, variando pela sua qualidade e impacto na sociedade, o que tornaria um jogo deste género tão diferente aos casos anteriores?

Contudo, no outro prato da balança, temos a sociedade de hoje, num período histórico onde o confronto do mundo ocidental e oriental está tão aceso, um retorno à época das guerras santas e das velhas cruzadas. E veja-se o caso europeu, no conflito que tem sido para cada país da comunidade europeia a criação de um estado laico onde a diversidade cultural e religiosa seja aceite. Não parece-me que um jogo do tipo puxe muito pela compreensão das diferentes partes.

Mais estranho que isso, como é possível conseliar a noção de dogma e a interactividade de um jogo de computador, sem rondar o ridículo? A realização dos próprios milagres, lidar com personagens que poderiam ser interpretadas como mártires, poder dar a hipótese ao jogador de alterar a própria história da figura religiosa em foco, a ideia da existência de um "Game Over"...

Não sei, mas parece-me que todos os pequenos pormenores tornar-se-iam em pouco tempo num verdadeiro barril de pólvora. Pessoalmente, espero que seja uma batalha que a indústria dos videojogos tenha o bom senso de manter-se longe, ao contrário deste mini-jogo. Senão seria blasfémia. E das grandes!

6 comentários:

  1. Pois a religião é um assunto complicado para muitas pessoas, mas acredito que não há problema em brincar um pouco. Quem não gostar simplesmente deve evitar esses conteúdos, é como tudo... A religião com as suas crenças também ofendem determinados grupos...
    A religião não se pode achar a cima das outras coisas e como tudo está sujeita a uma analisa por parte da sociedade e dos seus constituintes sendo que deste modo irá continuamente ser reflectida por diversos pontos de vista, uns mais favoráveis outros menos, não há nada pelo que se ficar ofendido na minha opinião. abraços

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  2. Viva Psimento. Antes de mais, bem vindo a este humilde espaço!

    Percebo e concordo com o teu ponto de vista, até certo ponto. De facto a religião nunca deve ser considerada um tópico taboo, por muito que seja a probabilidade de desagradar alguém no processo. Está no direito de qualquer cidadão de formar e expor as suas próprias opiniões a respeito dela, tenha essa manifestações o carácter que tiver (seja por um jogo ou pelo que for).

    Contudo, parece-me que nem sempre é fácil simplesmente ignorar os conteúdos que nos desagradam. Ainda por cima sendo às vezes a religião uma temática que tanto puxa pelo lado mais "irracional/emotivo" das pessoas. Até mesmo numa sociedade ocidental, que considero que já existe alguma imunidade a este tipo de eventos, deve existir algures um limite até onde se pode esticar a corda. Será que vale a pena querer testar quando isso acontece?

    Resto de bom fim de semana. Abraços ;)

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  3. Realmente a religião e a política são sempre pontos sensíveis em que há um certo pudor em tocar, aqui na blogosfera: quanto à política e como sou tolerante em relação a opiniões diferentes da minha, não me coíbo de expressar os meus ideais; já quanto à religião ataco forte e feio a igreja secular a começar no ridículo Papa actual, mas distingo-a da Igreja constituída por Jesus Cristo, que respeito.
    Já não sei até que ponto certas religiões, e estou a pensar nomeadamente na islâmica, aceitam piadas sobre os seus representantes, pelo que tenho visto por esse mundo fora.
    Acima de tudo, acho que podemos "mexer" com tudo, mas há limites e a forma como o fazemos, sem enxovalhar os crentes nessas fés, também é importante.

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  4. Tocas numa questão muito interessante! Ao lidar com pessoas religiosas vejo o desagrado com que encaram a entrada do humor na religião. Na sua religião! Certa vez estava inserido numa conversa em que se dirigia piadas a crenças religiosas alheias. Quando decidi fazer uma picardia. Lembrei-me de introduzir umas gracinhas que abordavam crenças das pessoas ali presentes. Nem te digo como ficou o ambiente… Claro que não me surpreendeu!
    O que tiro como conclusão é que devemos respeitar as crenças de outros como queremos ser respeitados. Vejo em muitas religiões o ficar ofendido por se brincar com os seus valores, mas não respeitam os dos outros. Eu pessoalmente não ridicularizo a religião de ninguém, acho que é uma actividade agressiva. Mas não me impeçam de questionar e pensar seja o que for.
    Abraço!

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  5. pinguim, às vezes parece-me a velha história do pequeno cobertor na cama de casal. Ora puxa-se de um lado, ora puxa-se do outro e no final alguém acaba por sentir-se sempre destapado.

    Suponho que há-de sempre existir alguém a sentir-se descontente (nem que seja os movimentos mais fundamentalistas). Concordo contigo, acho que um mínimo "controlo de danos" pode ser o ouro para uma distinção entre uns simples pés gelados ou uma bruta constipação no dia seguinte.
    Abraços

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  6. Sócrates, és evil! Eheheh!

    Falando a sério, de facto é verdade. A falta de compreensão e respeito por outras ideologias é enorme, tornando-se muitas vezes uma espécie de piada catalogar os aspectos mais chatos/limitativos/estranhos de cada caso.

    "O quê? Não poder comer porco? Era o que faltava."
    "Não me aparece venerar numa vaca como uma deusa sagrada."
    Enfim, etc... Abraços

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