13.2.10

Emaranhar

Sinto-me saudoso. 
Saudoso de um sitio ao qual nunca pertenci verdadeiramente, mas que me é tão familiar.
Saudoso de histórias que nunca foram as minhas, mas é como se as tivesse vivido. 
Saudoso de ficar preso, de ficar emaranhado pela minhas origens.

Sem mais rodeios, eis o motivo de tanto saudosismo:


Nasci e sempre vivi dentro da zona suburbana de Lisboa. Foi aqui que cresci, que me ambientei, que estabeleci as minhas primeiras amizades. Contudo, mesmo apesar destes factos, o legado de pertencer a uma família fortemente beirã sempre ocupou uma parte significativa de mim.

Vejamos que numa idade mais tenra, é o género de coisas que nem se perde verdadeiramente tempo a reflectir. Contudo, já com mais alguns anos em cima da espinha, e com mais alguma sensatez desde então (espero eu), existe todo um conjunto de pequenos detalhes que começam a chamar finalmente a atenção para estas particularidades na nossa história.

Um evento desses aconteceu-me há uns tempo, numa ocasião onde um velho amigo meu passou de visita por minha casa. Como seria de esperar, foi uma oportunidade para colocar conversa em dia e bem, quando damos por nós, já se estava em cima da hora de jantar. Convido o amigo para ficar para comer e ele aceita, como tantas outras vezes que o tinha feito, demasiadas para ter ideias de uma conta. Chega a hora da refeição e, já sentados, a minha mãe coloca no centro da mesa um tabuleiro enorme de maranhos, ao qual o meu amigo deita uma olhar desconfiado. O diálogo que se seguiu foi algo deste género:

Eu: "Olha lá banana, podias ter dito que não gostavas de maranhos."
Ele: "Ah! É assim que se chama? Nunca vi isto pela frente pá."
Eu: "Não acredito. Estás a gozar!"

Na verdade já estava tão habituado ao ver um maranho no prato, para mim já era algo tão banal que tal não foi a minha incredulidade a encontrar alguém que nunca tivesse visto sequer um, como passear pela rua e dar de repente com alguém que ainda acredita-se que a terra era plana. Ora bem, um maranho na verdade não é mais  que um enchido muito típico da Beira Baixa, na qual a um bucho (estômago) de uma cabra é colocado lá dentro arroz, carne, eventualmente presunto, e um forte condimento de hortelã para mais tarde levar a cozer.

Devido ao facto de todos os ingredientes estarem "presos" dentro do estômago, deriva o nome da especialidade, explicando igualmente uma expressão muito comum da região, quando se avisa alguém para "não se deixar emaranhar". Enfim, verdade seja, depois do meu amigo provar (e gostar) do maranho, nunca mais olhei para um como uma simples refeição. Abrindo-me os olhos também para outros detalhes, chamem-me maluco, mas além do sabor muito próprio que aconselho a todos a provar, sabe-me sempre a algo mais. 

Sabe-me a parte da minha história. E sinto saudades de voltar a reviver-la!

9 comentários:

  1. Como sou da Beira Baixa, claro que sempre soube e gosto de maranhos, mas admito que seja algo desconhecido de muita gente.
    Também eu gosto muito de certas coisas gastronómicas da minha terra (Covilhã), mas o máximo para mim é a "Panela no Forno"; também os "Pastéis de Molho" e as "Gargantas de Freira".
    De repente fiquei saudoso, e com fome...
    Abraço.

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  2. Eheheh... De facto uma conversa para deixar um bocado água na boca.

    Dos pratos que referiste, conheço e experimentei apenas a "Panela no Forno". Curioso ver como, mesmo no mesmo distrito (no meu caso falo da zona da Sertã), a diversidade cultural consegue ser tão vasta.
    Abraço grande ;)

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  3. Bem, os outros não são bem pratos: os "Pastéis de Molho" são uma entrada, feita com um folhado com um recheio de carne, que se compra na região e depois há um imenso molho feito com açafrão e vinagre que lhe dá um sabor perfeitamente original; quanto às "Gargantas de Freira" são um doce que é a inclusão num cilindro feito de uma "capa" branca, tipo hóstia dos conhecidos fios de ovos...
    Tens que provar.

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  4. Devidamente apontado. Na próxima oportunidade de visita à região com tempo, farei por procurar por essas iguarias.
    Eu que nem sou propriamente uma pessoa muito amiga de doces, mas pela descrição parece-me que ia gostar particularmente das "Gargantas de Freira". Se não gostar,bem...sempre tenho alguém com quem reclamar pela má experiência... ;)
    Abraços

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  5. Bem....I'm back...após uma pequena ausência.
    Estando numa zona que faz a transição ao Alto Alentejo para a Beira, conheço bem os maranhos, tanto mais que na Beira Baixa tenho alguns amigos que visito regularmente.
    Mas nem por isso consigo comer...a não ser o recheio. lol
    A expressão que referes, o de ficar emaranhado, usa-se bastante aqui.
    De petiscos e gastronomia...bem...falamos noutra altura que isso é o que não falta aqui..e da boa.:-)
    Abraço.

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  6. Estar num patamar de comer TODO o maranho já é algo muito à frentex! Por sensatez prefiro ficar-me igualmente pelo recheio, ehehe...

    Mike, ainda estou para descobrir qual a região do nosso pmaís que não tem daquelas especialidades gastronómicas de comer e chorar por ais. Mas mesmo com os meus limitados conhecimentos culinários, posso certamente dizer que há de facto muita e boa comida dessa região.

    Bah, fiquei com fome. Vou mas é a uma ceia... Abraços

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  7. Recentemente provei pela primeira vez maranhos e achei algo... diferente! Mas como a culinária e novos sabores são algumas das minhas perdições, fiquei fã. Agora com este teu texto fiquei a saber mais do assunto.
    Obrigado e um abraço!

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  8. Um bom timing nesse caso, ehehe.

    No meu caso, tento manter igualmente algum espírito livre a provar novos sabores mas conheço-me suficientemente bem para saber que também a minha "tolerância" não é assim tão flexível como gostaria a tanta novidade.

    Abraços

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