5.1.10

O Poço da Loucura

Não era de noite, não relampejava, não chovia, não se via sequer uma nuvem no céu. O vento não uivava e os ramos das poucas árvores existentes não abanavam. Não muito longe um cavaleiro que nunca vislumbrara um cavalo caminhava lentamente. Não tinha passado por muitas batalhas, não estava ferido, nem sequer estava sujo. Não partia de sua casa, pelo contrário, voltava. De repente um vulto negro feito de nada materializou-se á sua frente tomando a forma de uma não muito nova nem muito bonita bruxa. Ela não tirou a sua varinha, não lançou um feitiço nem invocou um dragão. Não se afastou, aproximou-se e sussurrou ao ouvido do cavaleiro.
 
- Aviso-te eu, nobre cavaleiro, da tua pobre sina. Não, não, na tua cidade não houve uma chacina! No seu poço uma poção foi vazada. A água, pelo seu novo sabor, será celebrada. Mas um outro efeito foi posto pela bruxa cruel, efeito este que saberá a fel. Todos os da tua cidade ficarão loucos, doidos e malucos. Enfim, ficarão caducos.

Dito isto não desapareceu, não pegou na sua vassoura e não começou a voar. Não, foi-se embora simplesmente a caminhar. O cavaleiro solitário prosseguiu caminho. Não subiu a altos montes, não atravessou quentes desertos, não andou por lugares tenebrosos, nem sequer fez feitos venturosos. Apenas prosseguiu caminho.

Chegou finalmente á sua cidade. Subiu ao alto de um monte e gritou á multidão.
- Estais todos loucos, caminhais para a perdição!

Mas eles, moucos, não prestavam atenção. O cavaleiro não gritou, não chamou a atenção. Se queria ser ouvido tinha de usar a imaginação. Baixou a sua voz até ao limite da audição e novamente repetiu:
- Estais todos loucos, caminhais para a perdição.

Desta vez todos o ouviram, olharam uns para os outros e brevemente concluíram.
- Este homem está louco, não segue os princípios da multidão. Vamos prendê-lo antes que provoque confusão.

Não vieram guardas, nem soldados, nem sequer outros cavaleiros para o prender. Voluntariamente decidiu ir para a prisão viver. Após dias de clausura o cavaleiro chegou a uma conclusão: Num mundo governado por doidos considera-se louco o são.

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Da minha autoria.
Não sendo uma pessoa da área de letras, a escrita de pequenos contos acaba por ser uma actividade que ocasionalmente me dá um gozo tremendo. Criticas e reparos do que modificar/melhorar são mais que bem vindas!

8 comentários:

  1. Está muito bom, e ...actual!
    Para quem diz que não sabe escrever...o que faria se soubesses!
    Parabéns e um abraço.

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  2. Não sendo tu uma pessoa da área das letras...desenrrascas-te muito bem. :-)
    Está bem escrito, está perceptível... podes continuar.
    Abraço.

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  3. Muito bom! Quem me dera, não sendo também de letras, escrever assim texto sem ser "texto técnico"!!!!

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  4. pinguim, e para todos os efeitos alguns aspectos da minha escrita tem muito que se lhe diga. Viva estar-mos na época do correctores ortográficos senão imagino o desgraça!
    Obrigado pelo elogio. Grande abraço ;)

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  5. Uh, ainda bem que deu essa percepção Mike!

    A dor de cabeça que não é organizar as ideias para permitir alguma fluência na leitura... Quando as coisas neste campo começam logo por correr mal, a hipótese de desanimar e esquecer a ideia é enorme mesmo.

    De qualquer modo podendo continuar, dá um incentivo para ocasionalmente ir colocando mais uns pequenos textos!
    Abração :)

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  6. Antes de mais: Viva Tong Zhi! Muito prazer em ver-te neste humilde espaço ;)

    Ora saberás certamente. O que é preciso ás vezes é "aquele" empurrão para começar (tal como o deram a mim na verdade), mesmo que saibamos que dos textos iniciais não vá sair um Eça de Queirós.

    Curioso que (má influência ou não destas pequenas aventuras neste campo), tenha desenvolvido o hábito de "embelezar" o português de textos técnicos e relatórios que tenha que elaborar!

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  7. Apreciei muito a sua prosa. Fico à espera de mais...

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  8. Saudações Ovelha Tresmalhada.
    Muito obrigado pelo elogio, numa futura oportunidade coloco mais qualquer coisa dos meus texto (não que tenha assim tanta coisa mas pronto).

    Só algo a apontar: trata-me por tu! Por muito que o respeito seja importante num dialogo entre duas pessoas, mais ainda entre desconhecidos, estás á vontade de dispensar essa formalidade ;)
    Abraço

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